
“Uma horta, um pomar com grandes jaqueiras, mangueiras, laranjeiras, abacateiros, sempre foi o meu sonho; e estavam ali aqueles restos de uma grande chácara, com árvores de mais de meio século de existência, maltratadas, abandonadas, talvez, de toda a contemplação sonhadora de olhos humanos, mas que ainda assim davam prazer, consolavam aquele sombrio lugar de dor e de angústia.”
Lima Barreto
Você já ouviu falar no escritor Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922)? Já leu alguns dos seus escritos? Se sim, muito possivelmente deve saber que estamos falando de um dos escritores mais críticos do cenário social da cidade do Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XX.
Nascido em uma família marcada pela escravidão, porém, filho de pais mestiços e com certo grau de instrução, Lima Barreto frequentou o Colégio D. Pedro II, o Liceu Popular Niteroiense e chegou a entrar para a Escola Politécnica de Engenharia, em 1897, com o apoio de seu padrinho, Visconde de Ouro Preto. Contudo, em vez de seguir carreira técnica, tornou-se escritor e funcionário público.
Lima Barreto conheceu o universo da loucura muito cedo: primeiro, quando o pai foi trabalhar nas Colônias de Alienados da Ilha do Governador, em 1890, como almoxarife. Depois, em 1902, o próprio pai enlouqueceu, e de funcionário passou a paciente. Mais tarde, em 1914, foi a vez de o escritor ser internado no Hospital Nacional de Alienados, por conta do alcoolismo. Na época, esse era um dos principais motivos de internação no hospício, principalmente entre os homens. Ele tinha 33 anos e, cinco anos mais tarde, foi novamente internado, pelo mesmo motivo.
Lima Barreto observou de forma sagaz tudo à sua volta. Não faltaram críticas aos costumes burgueses, à sociedade de privilégios e seus representantes, ao racismo e à indiferença social. A partir de sua experiência no manicômio da Praia Vermelha, escreveu o Diário do hospício – O cemitério dos vivos (que só foi publicado em 1956).
Como paciente e escritor, se indignou contra uma série de coisas: a sua internação obrigatória; o ambiente precário e superpovoado; os cheiros pestilentos; a gente pobre ali internada; os abusos de autoridade, de médicos e guardas; os preconceitos de raça e de cor; a indiferença com os loucos etc.
Como um lamento, afirmou: “Um dos horrores de qualquer reclusão é nunca poder estar só.” (1993, p. 166). Ao que parece, nesse lugar tão cheio de dor e angústia, andar pelo bosque do hospício foi um dos seus poucos alentos.
Essa obra é um verdadeiro túnel do tempo! Que tal fazer essa viagem!?
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Referências:
Diário do hospício – O cemitério dos vivos (Lima Barreto, 1956), Companhia das Letras, 1993.
O homem da ficha antropométrica e do uniforme pandemônio: Lima Barreto e a internação de 1914 (Lilia Moritz Schwarcz, 2011).
“O cemitério dos vivos”: a experiência manicomial de Lima Barreto (Adeliana Alves Barros, 2016).
Leia:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/23/cultura/1498244164_829345.html
https://cee.fiocruz.br/?q=O-Cemiterio-dos-Vivos
https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/lima-barreto-voz-gente-povo
Veja: